Artigo: O grande desafio da ciência brasileira
Publicado em 13 de julho por Lucas Braz
Por Silvio Meira
Estamos na Era do Conhecimento. Competir depende de fundações já entendidas no mundo. Há livros, muitos, sobre o assunto. Vamos tratar apenas quatro delas, mais críticas e de maior impacto. Primeiro, gente, educada e treinada para criar, adaptar, compartilhar e usar conhecimento. Segundo, ecossistemas de inovação: universidades, centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação [PDI], parques tecnológicos, sistemas regulatórios e redes de empreendedores e investidores capazes de, articuladamente, produzir, adaptar, evoluir, transformar e aplicar conhecimento na solução de problemas locais, regionais e globais. Terceiro, infraestruturas compartilhadas – como as de informação e laboratórios de alta complexidade- de classe global. Por fim, um regime de incentivos e uma rede instituições que promovem, habilitam e investem nas três primeiras fundações de forma contínua, sistemática e sustentável no curto, médio e longo prazos.
O primeiro parágrafo resume a problemática da Ciência [e da tecnologia e inovação] no Brasil. Falta-nos gente educada e treinada, para o que precisamos de uma política e sistema nacional de educação que deve tratar o aprendizado desde a creche e alfabetização. Não se faz ciência, de classe e em escala global, capaz de impactar produtividade, bem-estar coletivo, competitividade de um país, a partir de acasos aqui e ali nos estágios iniciais e intermediários da educação, em especial do sistema público de educação fundamental e média, onde está a vasta maioria dos estudantes brasileiros.
Nossos ecossistemas de inovação nunca estiveram em pior estado, e não falo das políticas e do investimento nas universidades, centros de PDI e parques tecnológicos; as políticas, há tempos, inexistem e os investimentos, idem. Me refiro às pessoas: ciência, tecnologia e educação superior, da qual as duas primeiras dependem de forma intrínseca, são feitas por pessoas, movidas por desafios, propósito e incentivos, assim como nas empresas. Universidades e centros de pesquisa são abstrações conceituais e legais; seus prédios e laboratórios são meros espaços físicos. O que realmente importa, neles, são as pessoas, os professores e pesquisadores e seus alunos, muitos dos quais já perderam a esperança não só na Ciência brasileira, mas no Brasil como ele se encontra agora.
Das infraestruturas para a Ciência e PDI, tanto já se disse de seu estado de coisas que não é mais preciso explicitar sua penúria. Mas deve-se dizer que, sem laboratórios e instrumentos equivalentes aos que são usados nas economias com as quais competimos ou queremos competir, sem insumos, sem colaboração no país e com redes globais, não se deve esperar da Ciência brasileira resultados que, usados na prática, nos tornem tão ricos quanto o Uruguai -que tem mais do dobro da renda e dez vezes menos pobres, per capita, do que aqui.
O que dizer sobre os incentivos e as instituições para a Ciência -e PDI em geral-, onde deveriam estar a política, as estratégias e os grandes desafios nacionais? Quase nunca os tivemos como deveríamos e, quando foi o caso, na intensidade e pelo tempo minimamente necessários. O Ministério para Ciência e Tecnologia existe há 37 anos, período em que foi “reestruturado” 9 vezes e teve 23 ministros [um a cada 1,7 anos], dos quais apenas 13 sobreviveram pelo menos um ano no cargo. O que dá uma ideia da capacidade que o Estado teve, até agora, de criar políticas, articular estratégias e estabelecer grandes desafios nacionais. Investimento contínuo, sistemático e sustentável no curto, médio e longo prazos… nem pensar.
E o Brasil era bom nisso, há décadas. O desafio de auto-suficiência alimentar levou o Estado a criar incentivos e instituições, teve a Embrapa [nascida em 1972] como um dos seus esteios e é um exemplo global em educar e treinar muita gente, criar infraestruturas e formar ecossistemas de inovação. E tornar o Brasil exportador de alimentos. Não se trata de voltar cinco décadas… mas há desafios do presente exigem, além de novos aprendizados, que se desaprenda outras tantas que não funcionam mais, e se reaprenda outro tanto que se esqueceu e, de novo, são fundamentais.
Até porque há um grande desafio tão óbvio -e paradoxal- hoje, como há 50 anos: o Brasil, quarto maior exportador de alimentos do mundo, tem 60 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar, dos quais 33 milhões passando fome; a Holanda [45% da área de Pernambuco] é o segundo maior, sem registro de fome.
Não se trata apenas de um imenso desafio social e humano. É principalmente um grande desafio de transição de uma economia rudimentar e desigual para outra, de conhecimento, inclusiva e equitativa, onde ciência, tecnologia e inovação, e gente, educada e produtiva, globalmente competitiva, passa a ter um papel central na reconstrução do Brasil.
* Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil.
** Silvio Meira é Chief Scientist na TDS.company e Professor Extraordinário da CESAR School.