O design aplicado à ressocialização de mulheres: Um estudo na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco – Patronato Penitenciário é a dissertação que fecha o mestrado em Design de Marília Portela na CESAR School e que ouviu mulheres em regime de livramento condicional e ávidas por se recolocar no mercado de trabalho. Conheça mais sobre a pesquisa desenvolvida pela, agora, mestra em Design, que é servidora do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).
ENTREVISTA // Marília Portela, mestra em Design e servidora do TJPE
O que já existe para contribuir com o processo de reinserção social da mulher apenada?
Existem muitos trabalhos acadêmicos/artigos sobre o tema, que abordam diversos aspectos do encarceramento feminino. Existem também instituições governamentais e não governamentais que atuam no processo de reinserção. Mas, devido à complexidade do tema e dos fatores de diversas ordens envolvidos na questão, a impressão que se tem é que tudo ainda é muito incipiente ante à necessidade e a gravidade do problema social que representa.
Como você se aproximou dessa temática?
Foi por meio da apresentação do tema da superlotação carcerária como “desafio” para o grupo do Studio, no decorrer do curso do mestrado profissional em design da CESAR School.
Sua pesquisa ouviu mulheres que haviam estado em situação de encarceramento. O que essas entrevistas trouxeram para a pesquisa?
Trouxe o ponto de vista delas sobre o sistema prisional, a realidade social em que viviam antes, durante e depois do encarceramento, pois todas as entrevistadas estavam em regime de livramento condicional, portanto, fora dos presídios. Também deixou muito clara a avidez que sentem por terem “oportunidades” para mudar de vida, especialmente, de trabalho e renda.
Como a pesquisa contribui para a reintegração dessas mulheres?
O resultado da pesquisa foi materializado em um mapeamento de oportunidades de intervenção, com destaque para doze delas, tendo o intuito de deixar um amplo panorama para a gestão do sistema penitenciário no âmbito do Estado de Pernambuco, mais especificamente para a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco e para a Superintendência do Patronato Penitenciário, que a ela está subordinada, por revelar ações que, na percepção dos gestores, servidores, usuárias do sistema e entidade não governamental parceira, podem trazer uma sensível melhoria no processo, caso sejam desenvolvidas, ou implementadas.
Ressalta-se que a maioria das oportunidades de intervenção mapeada seria factível, sendo necessária, no entanto, uma reformulação orçamentário-financeira para a alocação de alguns recursos essenciais, que é premissa da gestão pública, imposta pela lei de responsabilidade fiscal. Portanto, a pesquisa prestou-se a deixar uma contribuição do design para um problema social extremamente complexo, o qual precisará sempre ser explorado por outros ângulos devido à sua amplitude. O que se buscou, no entanto, foi entregar um novo prisma, com uma sistematização das visões que foram externalizadas pelos participantes da pesquisa.
O mapeamento das oportunidades de intervenção pode servir como um mapa de futuras ações que podem ser desenvolvidas, aperfeiçoadas e, até, implementadas, com a oportunidade de aferição posterior da eficácia para a sua continuidade ou o seu descarte. Quero destacar aqui uma das oportunidades mapeadas, que consiste na propagação de modelos como o do Instituto Recomeçar, na condição de organização não governamental, ou, lado outro, a concentração de recursos e esforços nesse modelo já existente. Ou seja, ao invés de multiplicar as instituições dessa natureza, talvez a escolha mais acertada fosse robustecer as que já existem, a fim de lhes propiciar a efetividade nas ações desenvolvidas e no propósito ao qual se destina por missão.
A pesquisa envolve quantas delas?
A amostra de participantes egressas do sistema prisional foi de 10 (dez) mulheres. No entanto, cabe um parêntese para esclarecer que como os objetivos da pesquisa tinham um viés institucional, a amostra focal também foi composta por gestores e servidores que atuam na Superintendência do Patronato Penitenciário de Pernambuco/SJDH-PE, bem como pela gestora da Superintendência de Ressocialização/SERES/SJDH-PE, notadamente com as áreas afetas à ressocialização de mulheres e, ainda, por componentes do Instituto Recomeçar, organização não governamental que atua especialmente na Ressocialização do Egresso do Sistema Prisional.
Sua pesquisa terá desdobramentos?
A pesquisa de mestrado profissional teve limites e limitações. Portanto, caberiam outras pesquisas e trabalhos de aperfeiçoamento dos dados, que poderiam ser coletados de outras áreas, a fim de serem comparados com o universo da amostra ora utilizada. Desse modo, cada oportunidade mapeada de intervenção pode ser transformada em objeto de novo estudo, tanto do design como de outras disciplinas, envolvendo ciências sociais e humanas, a exemplo da sociologia, da psicologia, do direito, dentre outras.
Uma sugestão mais específica seria a reunião de todas as ações ou oportunidades de intervenção que foram mapeadas serem submetidas a uma validação, considerando os aspectos práticos dos seus desdobramentos. Foram deixadas diversas trilhas instigantes para os designers de plantão, que podem realizar todo o processo, aplicando a metodologia do Design Science Research e/ou do Design Thinking em mais de uma oportunidade descrita.
Quais as mudanças que o uso da arquitetura proposta no seu trabalho pode trazer para o uso dessa tecnologia? (ex: barateamento, aumento do acesso, simplificação)
Penso que se as oportunidades de intervenção mapeadas fossem colocadas em prática, a tendência seria a de conseguir diminuir os efeitos colaterais do encarceramento que, à primeira vista, talvez pareça a solução para a criminalidade que assola o país. Como não se tratou de uma tecnologia propriamente dita, mas, de alternativas de melhoria no processo institucional da reinserção social em Pernambuco, o que se pode dizer é que, na percepção dos participantes da pesquisa, assim como desta pesquisadora, há soluções factíveis para melhorar significativamente a reinserção social e a não reincidência criminal, que seria uma consequência disso.
Foto: Priscila Urpia/Divulgação