Conta-se que o sociólogo Gilberto Freyre já era escritor consagrado por “Casa Grande & Senzala” quando passou a ouvir histórias sobre assombrações no Recife. Curiosamente, vinham de pessoas que não tinham qualquer relação entre si, mas relatos e personagens se repetiam. Daí teria surgido o interesse de Freyre por investigar a fundo esses casos e de escrever “Assombrações do Recife Velho” – mote para um projeto desenvolvido na CESAR School e que começa a ser lançado nesta sexta-feira (30).
“Mundo Medonho” estreia em formato de fastplay, fomentado pela Lei Aldir Blanc e pelas mãos de uma equipe grande. Vladimir Barros, Felipe Malafaia, Mário Brandão, Almir Dantas e Aymara Almeida tocam esta fase do projeto cuja perspectiva é lançar mais produtos em breve e comprovar a aposta de que as lendas do Recife têm, sim, um forte apelo comercial em várias frentes e potencial para conquistar público mais jovem e mundo afora. A primeira etapa pode ser conferida e baixada em www.mundomedonho.com.br.
Esse primeiro livro é único, “fecha nele mesmo”, mas é parte de um material maior que será lançado no futuro. O tempo era muito curto, contam os idealizadores, para desenvolver como se desejava: lançaram mão da metodologia rápida, do “falhe rápido, aprenda mais rápido ainda” para cumprir os prazos burocráticos. Agora, os próximos passos são trabalhar a rede social como canal de interlocução entre quem vai jogar e quem vai produzir. Mais à frente, a ideia é usar financiamento coletivo, como Catarse, para tocar as etapas seguintes.
Vladimir “conversa” com as assombrações do Recife desde a graduação, há mais de 10 anos. Já Malafaia conhecia as personagens de outras obras; mas ao convite para o projeto, se debruçou sobre o livro de Freyre e viu um mundo a ser explorado nos jogos de RPG. “Sempre tive na cabeça que (o livro feito na graduação) era pouco. Freyre tem uma capacidade criativa imensa”, justifica Vlad, idealizador e produtor artístico desse “Mundo Medonho”.
A equipe é um grande quebra-cabeça e a função de cada um vai unindo peças. Malafaia, por exemplo, já participou do desenvolvimento de um jogo de tabuleiro para um cliente da School e é um graduado na área. “Vlad falou sobre o projeto dele e eu gostei da ideia. Adoro terror, e se a gente se juntasse para fazer um jogo que fosse o carro-chefe de um universo expandido? No começo, a gente não sabia como seria o jogo, mas que iríamos explorar as assombrações do Recife”, relembra.
Uma das mentes tecnológicas do projeto, Mário Brandão acaba de finalizar o mestrado na School e trabalha como desenvolvedor front-end no CESAR. Ele antecipa que os jogadores poderão construir seus próprios personagens dentro desse imaginário das assombrações. “A gente está planejando essas outras formas de interagir, pensamos em realidade aumentada. Planos para o futuro que vão evoluindo”, resume.
O mercado já dá fortes indícios de que juntar tecnologia, RPG e histórias mais “regionalizadas” têm cada vez mais espaço. “Vemos produtos, como ‘Cidade Invisível’, da Netflix, que fazem parte dessa movimentação. São grandes espaços que vão se abrindo”, diz Malafaia. “Há uma recorrência muito grande em voltar a esse mote de vida de décadas passadas”, acrescenta Vlad, se referindo a séries como “Stranger Things” e fazendo uma conexão com as assombrações, que datam da década de 1920.
Mário também aposta fichas na aceitação do mercado pelas assombrações relatadas por Freyre. “Queremos expor a cultura pernambucana para o Brasil e para o mundo. Temos a intenção de construir pontes e assim como o Carnaval atrai olhares de fora, acreditamos que este projeto também vai. É uma iniciativa de coração, crescemos ouvindo essas histórias e traduzimos para outras linguagens”.
Mundo (muito) medonho
Projeto cultural de RPG, o “Mundo Medonho” é um universo de ficção que aborda violência, terror e temas sérios. “Sua leitura e jogo é indicada para pessoas não sensíveis ao tema”, diz a sinopse. É dedicado ao professor Anderson Paulo, que faleceu recentemente em decorrência da Covid-19, e que “teria medo de jogar, mas nunca de apoiar”.
O projeto, aliás, tem tudo a ver com o CESAR, que prega muito a cultura maker. “Esse projeto é totalmente maker. A gente não esperou por ninguém. Independentemente de ter, ou não, financiamento, ele iria sair. Espero que seja inspiração para os alunos da CESAR School, que muitas vezes têm ideias muito boas: é possível. Nenhum projeto surgiu maravilhoso, foram construídos no ‘perrengue’”, conclui Vladimir.